sexta-feira, 30 de março de 2012

Dispute Boards - Solução para a construção civil?

Para o ramo da construção civil outra interessante alternativa de ADR, que combina aspectos da conciliação, mediação e arbitragem é o dispute board, que visa resolver questões técnicas e operacionais no decorrer da obra ou do contrato.

Antonio Fernando Mello Marcondes[1], autor do brilhante artigo ‘Os Dispute Boards e os Contratos de Construção”, nos ensina que a Dispute Board Foundation, entidade americana situada em Washington, conceitua o “DB” como:

“[...] um comitê formado por profissionais experientes e imparciais, contratados antes do início de um projeto de construção para acompanhar o progresso da execução da obra, encorajando as partes a evitar disputas e assistindo-as na solução daquelas que não puderem ser evitadas, visando à solução definitiva”.

Como se pode imaginar, ao longo da construção de uma obra de infra-estrutura, como, por exemplo, o metrô da cidade de São Paulo, muitos problemas podem advir.

Tal como asseverou Pérsio Thomaz Pereira Rosa[2], em obra específica sobre o dispute board:

“O projeto, desde o seu nascimento até a entrega da obra, consome tempo enorme e as projeções podem sofrer alterações em virtude de fatores externos os mais variados possíveis, tais como crises econômicas, depreciação da moeda, valor dos insumos, que podem se alterar, apreciação dos índices de correção previstos pelas partes, alteração legislativa, eventos naturais (caso fortuito ou força maior). Todas essas intempéries são capazes de gerar lides em decorrência de conflitos de interesse que podem causar a paralisação da obra em total prejuízo das partes e, mais, daqueles que irão se beneficiar da construção em si, o que fere um interesse, por assim dizer, difuso. Nesse rol de interessados estão, por exemplo, os acionistas de uma companhia de capital aberto ou fechado.”

Da mesma forma, mesmo que não se trate de obras de infra-estrutura, como é o caso da construção de um prédio comercial, por exemplo, muitos outros problemas também podem ocorrer. Estes podem ter origem desde o fornecimento dos materiais de construção até a própria execução dos serviços. Enfim, muitos são os litígios que podem ser originados nos contratos de construção. Como bem ressaltou Fernando Mello Marcondes[3]:

“[...] é praticamente impossível não haver divergências ao longo de uma obra. Trata-se de uma relação complexa que envolve uma grande quantidade de empresas e pessoas que, juntas, formam verdadeiro mosaico que, ao final, se consolida e se transforma na obra pronta. Um contrato de construção bem-sucedido não se caracteriza pela ausência de divergências entre as partes ao longo da obra, mas, sim, pela inexistência de divergências ao seu final.”

Ademais, frise-se que os problemas podem ter início desde o início das obras, até o seu término, quando a parte contratante, v.g., alegar que o projeto não foi cumprido tal como contratado.

Diante disso, considerando-se que os litígios podem emergir a qualquer momento durante a construção, o dispute board é uma importante ferramenta para a solução de conflitos, sobretudo na construção civil, uma vez que funciona como um comitê para visitas periódicas no empreendimento, a fim de solucionar eventuais desacordos entre as partes.

A arbitragem também poderia ser outro caminho escolhido entre as partes para a resolução do conflito. Ocorre que a arbitragem parece-nos um procedimento menos célere do que o “DB”, uma vez que envolve a presença de advogados, árbitros e um julgamento. Some-se a isso o fato de que o “DB” tem um baixo custo se comparado a uma arbitragem ou a um processo judicial.

Frise-se ainda que as decisões do board tem efeitos diferenciados. Em primeiro lugar, um board pode ter o caráter de simples recomendação (DRB – dispute review board), tal como é mais comum. Pode ainda, em alguns casos, ter o caráter mandatário (DAB – dispute adjudication board) até a solução da disputa ou início da arbitragem e, por fim, combinado (CDB – combined dispute board), podendo prever eventual caráter mandatário de decisão, somente após solicitação por uma das partes e desde que favoreça a continuidade da obra.

Como no “DB” há uma recomendação (com caráter mandatório ou não) e não julgamento, o trâmite de um board é certamente menor de que o trâmite de um procedimento arbitral. Na realidade, um board tem o prazo médio de até 145 dias. O Instituto de Engenharia, por exemplo, em seu Regulamento do Comitê de Solução de Controvérsias, determina que uma recomendação ou decisão deve ser definida no prazo máximo de 90 dias contados do início do procedimento.

Contudo, dependendo do conflito e da complexidade do problema, o comitê pode exarar a sua recomendação em um período curto de cinco dias, por exemplo.

Sendo assim, considerando-se que o fator tempo é extremamente importante nos contratos da construção, parece-nos que ao invés da instauração de um procedimento arbitral, o mais indicado para a resolução destes litígios se dá com o “DB”.

Até porque o “DB” é caracterizado pela informalidade. Na realidade um board é geralmente composto por engenheiros e um advogado. Os membros do board fazem reuniões periódicas nas obras (a cada 90 ou 120 dias), ouvem as queixas das partes quando elas ainda estão em fase embrionária e têm grandes chances de resolvê-las simplesmente incentivando o diálogo entre as partes e evitando que um mero mal entendimento evolua para uma disputa.

E como as reuniões são periódicas e na maioria dos casos os problemas constantes, as partes envolvidas no litígio tendem a criar uma confiança no comitê, favorecendo novos acordos ao longo da construção.

Consoante apregoam os especialistas, os pontos principais do “DB” são os seguintes:
·         composição dos membros do DB logo ao início do contrato;
·         o board deve ter pleno conhecimento do contrato e formas de aplicação do DB em auxílio ao empreendimento;
·         o board também deve conhecer o projeto e memorial descritivo do empreendimento;
·         atuação imediata do DB pelo comitê, ao surgir qualquer controvérsia;
·         acompanhamento regular dos membros do DB à obra, independentemente do surgimento conflitos;
·         comitê deve elaborar relatórios periódicos sobre o andamento da obra e condições das inter-relações dos intervenientes;
·         aplicar a expertise do board para evitar o surgimento de disputas;
·         participação das reuniões e acompanhamento dos trabalhos do board  pelas partes;
·         validação e implantação das recomendações do board pelas partes;

A recente criação da Engenharia Diagnóstica, com suas cinco ferramentas técnicas devidamente segmentadas e progressivas (vistorias, inspeções, auditorias, perícias e consultorias), veio favorecer a aplicação da expertise pelo board, pois as constantes vistorias da obra, aliadas às eventuais inspeções de segurança e auditorias de qualidade facilitam a rapidez de ação para evitar o surgimento ou esclarecer as disputas.  

Recomenda-se, portanto, a presença no “DB” de um engenheiro com experiência em Perícias e Vistorias, sobretudo com conhecimentos na Engenharia Diagnóstica.

No Brasil, o “DB” ainda é pouco conhecido e utilizado. Muitas vezes ainda vemos empresas litigando no Judiciário sobre questões simples e que bastaria uma mera reunião para o seu desembaraço. E com isso todos perdem. Há casos, inclusive, em que uma demanda é levada em Juízo e as obras ficam paralisadas por longo período, prejudicando não apenas as partes do contrato, mas também os beneficiários do empreendimento.

Diante disso, ainda que o “DB” seja pouco utilizado no Brasil, considerando-se as vantagens que este instituto pode trazer aos envolvidos nos litígios da construção civil, pensamos que é questão de tempo para que seja maior empregado. Internacionalmente o “DB” já foi utilizado inclusive ao longo da obra do canal da mancha, tendo resultados bastante favoráveis.

E ainda que o “DB” não consiga aproximar as partes para um acordo ou a sua recomendação ou decisão não seja acolhida por uma das partes, a instauração do procedimento não será tempo perdido. Isso porque a recomendação do comitê pode ser acostada aos autos de um procedimento arbitral ou judicial, facilitando, inclusive, a prolação de decisões arbitrais ou sentenças.
Entre as entidades capacitadas à prática dos dispute boards, além da CCI, o Instituto de Engenharia de São Paulo também possui regulamento que aproxima uma prestação de serviços ao “DB”. O regulamento do Instituto de Engenharia é intitulado “Regulamento do Comitê de Solução de Controvérsias”. Além destas instituições, a Fedération des Ingénieurs-Conseils (FIDIC) é grande referência a todos que se dedicam à matéria. Há ainda a organização Dispute Board Fundation e a Dispute Resolution Board Operation Procedural da American Arbitration Association.

No tocante aos regulamentos dos “DB”s podemos citar o Documento Modelo de Licitação do Banco Mundial (“Contratação de Obras”) que é hoje uma reprodução do MDB FIDIC. Em suas cláusulas e anexos, encontra-se um regulamento completo de “DB”.

Trata-se de modelo utilizado com certa freqüência internacionalmente. No Brasil, por sua vez, parece-nos que a única entidade que possui um regulamento sobre os “DB” é o Instituto de Engenharia que compilou modelos internacionais.

Trata-se do “Regulamento do Comitê de Soluções de Controvérsias”. Segundo este documento, as partes podem escolher a formação de três tipos de comitê para solução de controvérsias. São eles:

a)    Comitê Revisor de Solução de Controvérsias (“CR”): Comitê de solução consensual de controvérsias que tem por função emitir “Recomendações” sobre as disputas que lhe sejam submetidas. Por esse método, as Partes se comprometem a acolher as Recomendações não contestadas dentro de um prazo previamente acordado. Em caso de oposição de qualquer das Partes, a disputa poderá ser submetida à Arbitragem, se as Partes assim convencionarem, ou ao Poder Judiciário. Ressalte-se que fica facultado às Partes cumprir as determinações da Recomendação até a prolação de decisão de tribunal arbitral ou juiz estatal. 

b)    Comitê Executivo de Solução de Controvérsias (“CE”): Comitê de solução de controvérsias que tem por função proferir “Decisões” sobre disputas que lhe sejam submetidas. Por esse método, as Partes se comprometem a acolher as Decisões desde o seu recebimento. Caso uma das Partes, dentro de um prazo determinado, se oponha à Decisão, a disputa poderá ser submetida à Arbitragem, se as Partes assim convencionarem, ou ao Judiciário. Ressalte-se, contudo, que a Decisão deve ser acolhida até que o tribunal arbitral ou o Judiciário decida de forma diversa. 

c)    Comitê Misto de Solução de Controvérsias (“CM”): Comitê de solução de controvérsias que tem por função emitir Recomendações sobre as controvérsias que lhe sejam submetidas, bem como proferir Decisões, quando solicitado pelas Partes. Em caso de oposição de uma das Partes à prolação de Decisão, o CM decidirá entre emitir uma Recomendação ou proferir uma Decisão, aplicando os critérios estabelecidos no Regulamento. 

Como de vê, o Regulamento do Instituto de Engenharia sobre o “DB” não tem o condão de obrigar às partes ao seu cumprimento, uma vez que faculta a elas, em qualquer dos casos, que se oponha à decisão ou recomendação do comitê e requeira que o litígio seja reapreciado por uma corte arbitral. Segundo aquele regulamento, as recomendações ou decisões do Comitê apenas poderão ter exigibilidade caso as decisões não sejam contestadas em um prazo razoável ou enquanto o Tribunal Arbitral ou Judiciário não decidirem de forma diversa.

Ao que parece, o modelo do Instituto de Engenharia procura trazer bases para que um acordo entre as partes seja firmado. Caso isso não seja possível, a recomendação ou decisão do comitê pode simplesmente auxiliar as partes no futuro litígio arbitral ou na Justiça comum. Esta política também é adotada pelo Regulamento do Banco Mundial, que não obriga as partes a cumprirem a recomendação do board, a não ser que as partes tenham assim acordado.

De todo modo, não nos parece mesmo que o intuito do “DB” seja obrigar as partes a cumprir uma decisão. O “DB”, repita-se, é um procedimento informal e que procura demonstrar às partes, por meio de um comitê formado principalmente por engenheiros, que determinado litígio pode ser resolvido sem que a demanda seja levada ao Poder Judiciário ou a uma câmara arbitral.

E os números realmente comprovam que o “DB” tem uma eficiência excepcional para solucionar conflitos da construção civil. Fernando Marcondes[4] assevera que estatísticas apontaram que aproximadamente 97% das divergências surgidas ao longo de um contrato dotado de “DB” são resolvidos em seu âmbito, evitando recurso à arbitragem e ao Judiciário.


Diante de todo o exposto, avaliando-se as características deste instituto, cremos que as empresas do ramo do direito da construção no Brasil devem abrir os olhos para a utilização desta interessante forma de alternative dispute resolution.


Alexandre Junqueira Gomide é advogado especializado em direito imobiliário e sócio do escritório Junqueira Gomide & Guedes Advogados Associados.
alexandre@junqueiragomide.com.br
www.junqueiragomide.com.br



[1] MARCONDES, Fernando. Os dispute boards e os contratos de construção. In: Construção Civil e Direito. Org.: Luiz Otavio Baptista e Mauricio Almeida Prado. São Paulo: Lex Magister, 2011. p. 121.
[2] ROSA, Pérsio Thomas Ferreira. Os dispute boards e os contratos de construção. In: http://www.frosa.com.br/docs/artigos/Dispute.pdf
[3] MARCONDES, Fernando. Os dispute… ob. cit.
[4] MARCONDES, Fernando. Os dispute... ob. cit. 

quinta-feira, 29 de março de 2012

SATI, o que é isto? Cobrança indevida?

Se você adquiriu um imóvel na planta nos últimos anos, certamente se deparou com a cobrança de um tal "Serviço de Assessoria Técnico-Imobiliária", também conhecido como "Cláusula SATI".
Se o termo "SATI" lhe é familiar, mas você não sabe exatamente o que seja isto, é bem possível que você tenha efetuado o pagamento de valores indevidos ao adquirir seu imóvel e, por isso, tenha direito de reaver esta quantia.
Entenda a seguir se você tem direito de pleitear a devolução do que pagou a título de "serviço de assessoria Técnico-Imobiliária" (SATI). De forma resumida, tentaremos esclarecer como o seu direito pode ter sido lesado e o que você pode fazer a respeito.
SATI deveria ser um serviço de assessoria prestado pelos vendedores de imóveis, que consistiria na análise da situação financeira do comprador, a fim de auxiliá-lo na escolha de imóveis compatíveis com a sua situação econômica, no esclarecimento de cláusulas contratuais de compromissos de compra e venda, auxílio e esclarecimentos na obtenção de financiamento perante instituições financeiras, além de um serviço de intermediação entre compradores e construtoras/incorporadoras, para melhor atendimento de suas reivindicações.
Esse serviço de assessoria não é proibido. O problema reside na forma como ele é "oferecido" ao comprador do imóvel e como ele é "prestado".
Para ser permitido, o serviço SATI deve ser devidamente esclarecido ao comprador, que deve ter plena ciência de que está contratando um serviço de assessoria. Veja que é imprescindível  que o comprador saiba exatamente em que consistirá esse serviço. Ou seja, antes de concordar em contratar o SATI, o comprador deve ter pleno conhecimento do que poderá obter ao contratar o serviço: que terá um auxílio para melhor escolher o imóvel; que receberá esclarecimentos sobre as cláusulas do contrato de compra e venda; que terá auxílio na obtenção de financiamentos, etc.
Se o vendedor não explicar ao comprador em que consiste o SATI, a venda desse serviço será irregular e o comprador que pagou por este serviço terá direito à devolução dos valores desembolsados.
Mas não basta esclarecer ao comprados em que consiste o SATI. O comprador deve ter o direito de escolher se quer ou não contratar este serviço. Parace óbvio, mas, infelizmente, não é. Quem já tentou adquirir um imóvel na planta bem sabe que a contratação desse serviço, na maioria das vezes, acaba sendo imposta pelo vendedor. Basicamente, o comprador se encontra na seguinte situação: ou contrata o SATI, ou não conseguirá comprar o imóvel.
Nesse caso, a cobrança pelo SATI também é indevida e deve ser restituída ao comprador do imóvel.
Além do mais, o Tribunal de Justiça de São Paulo já firmou entendimento de que o valor pago a título de SATI deve ser devolvido ao comprador do imóvel. E o melhor, em quantia equivalente ao dobro do valor que foi cobrado.
Por isso, se você adquiriu um imóvel recentemente, verifique se houve o pagamento desse suposto "serviço de assessoria".
Se você não teve oportunidade de escolher se queria contratar esse serviço, se nunca soube exatamente do que se tratava o SATI, se você nunca soube como obter a assessoria que contratou ou nunca recebeu qualquer tipo de assessoria, você foi lesado e merece o devido ressarcimento.
Por isso, busque seus direitos e não deixe esta abusividade impune.
Teremos um grande prazer em prestar maiores esclarecimentos sobre esta abusividade cometida contra os compradores de imóveis e auxiliá-los sobre como obter o ressarcimento dos valores pagos.

Fabio Tadeu Ferreira Guedes é advogado especializado em direito imobiliário e sócio do escritório Junqueira Gomide & Guedes Advogados Associados. fabio@junqueiragomide.com.br
www.junqueiragomide.com.br