segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Construtora indeniza casal por não entregar imóvel no prazo

A 21ª Vara Cível da Capital condenou uma construtora a indenizar dois compradores após atraso na entrega de um imóvel. O apartamento faz parte de um condomínio de luxo, localizado na zona sul da capital paulista, construído em desconformidade com a lei de zoneamento local.

Os autores afirmaram que a entrega do imóvel foi prometida para setembro de 2010 e, posteriormente, adiada para agosto de 2011, em razão das obras terem sido embargadas por decisão judicial. Alegaram ainda que, após descumprimento de ambos os prazos, tiveram frustrados seus sonhos de se mudarem para o local e experimentaram danos materiais e morais, devendo ser indenizados.

A construtora sustentou que o atraso na demora é justificável já que as obras foram suspensas por causa de liminar e reiniciadas somente após sua revogação.

Em sua decisão, o juiz Danilo Mansano Barioni, entendeu que o atraso na obra gerou danos materiais aos autores e determinou que a construtora pague o valor do aluguel do casal, a partir de agosto de 2011 até a data efetiva da entrega das chaves. Com relação ao pedido de indenização por danos morais, “a má-fé não foi demonstrada, devendo ser simples a restituição, arbitrada em R$ 10 mil”, disse. 



Processo nº 583.00.2012.133793-0 

Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo


"A brevidade é agradável e lisonjeira, além de dar mais resultado. Ganha em cortesia o que perde pela concisão. As coisas boas, se breves, são duplamente boas. Todos sabem que o homem prolixo raramente é inteligente. Diga brevemente e terá bem dito" ("in" A arte da prudência, Baltasar Gracián, ano de 1647). Vistos. ---- e ---- ajuizaram a presente ação de indenização por danos materiais e morais c.c obrigação de fazer contra ----, alegando, em síntese, que adquiriram da ré o ap. 181, do edifício Camburi, bloco 1, do Condomínio Domínio Marajoara, cuja entrega foi prometida para 30/09/2010. O imóvel, porém, não foi entregue, com prorrogações de prazo. A obra foi embargada por decisão proferida nos autos da ação civil pública nº 053.069.012087-9. Houve repactuação prevendo a entrega da obra para 01/08/2011, o que não foi cumprido. Foram frustrados no seu sonho de se mudarem ao badalado empreendimento propagandeado pela ré. Questionam a cobrança da comissão SATI e comissão de corretagem. Afirmam ter experimentado danos materiais e morais, que devem ser indenizados. Requerem a procedência da ação que seja suspensa a incidência da correção monetária sobre o valor das parcelas previstas na cláusula 6 e item 2.2, até a entrega do imóvel, bem como qualquer cobrança de juros e multa das prestações vencidas após agosto de 2011 e condenada a ré ao pagamento de indenização por danos materiais em valor equivalente ao locativo do imóvel, que estimam em R$ 8.000,00, restitiuição do valor de R$ 19.157,88 cobrados a título de corretagem, restituição da SATI, no valor de R$ 3.129,80 e indenização por danos morais que estimam em R$ 30.000,00. Juntaram documentos. A antecipação de tutela foi parcialmente deferida, mas revogada em sede de agravo de instrumento. Citada, a ré apresentou contestação, alegando, em síntese, que o atraso na entrega da obra é justificado, devendo ser considerado, ademais, o prazo de tolerância de 180 dias. As obras foram suspensas em virtude de liminar proferida em ação civil pública, e reiniciadas somente após sua revogação. Mesmo com sentença de procedência da ação civil pública, anulando os alvarás expedidos, decisão esta que está suspensa até julgamento da apelação, deu andamento às obras, por sua conta e risco, demonstrando respeito aos compradores. Mesmo mantido por apensas alguns meses o embargo das obras, estas não foram retomadas automaticamente, ante a escassez de mão de obra e materiais decorrente do aquecimento do mercado imobiliário. Também a partir de agosto de 2011 não pode ser responsabilizada pois embora pronto, a entrega do imóvel depende do julgamento da apelação pelo TJ. Descabido o pedido de suspensão da correção monetária, que é mera recomposição da moeda. Não estão comprovados os danos materiais e morais. Não podem ser restituídas as despesas com corretagem e assessoria técnica, pagos a corretores autônomos e à empresa Seller Consultoria Imobiliária, que os atendeu num stand de vendas e intermediou o negócio. Requer a improcedência dos pedidos. Juntou documentos. Houve réplica. Instadas, as partes se desinteressam pela produção de outras provas. É o relatório. Fundamento e Decido: O processo comporta pronto julgamento, nos termos do art. 330, I, do CPC, observando-se que, instadas, as partes se desinteressaram pela produção de quaisquer provas. O atraso na entrega da obra é induvidoso. O contrato prevê que o apartamento deveria ser entregue em setembro de 2010, com tolerância de 180. Não foi. Como venho decidindo em casos outros, a cláusula que prevê de forma clara e induvidosa a possibilidade de atraso de 180 dias para a entrega da obra, aliás, comum na quase totalidade de contratos como o ora em análise, NÃO É ABUSIVA e nem pode ser ignorada, pois seu conteúdo é de facílima compreensão a qualquer pessoa que saiba ler. Impassível de ser considerada abusiva pela redação, clara e induvidosa, a cláusula também não é descabida se considerados seus motivos determinantes, na medida em que a ré não se obrigou a pagar uma prestação em dinheiro, com valor e termo de vencimento certos, mas, isto sim, a erguer um prédio, e ainda que tal obrigação se insira em seu ramo regular de atividades, impossível um prognóstico exato de conclusão. Aliás, é até por esta previsão que os argumentos comuns de escassez de mão de obra, “fortuitos e forças maiores” a justificar atrasos ainda maiores são reiteradamente rechaçadas, já que absolutamente previsíveis e justificadoras do prazo de carência de 180 dias. Mais que isto seria quebra do equilíbrio contratual. No caso em apreço, porém, tais questões têm sua relevância afastada na exata medida em que os autores concordaram em repactuar o prazo de entrega em aditivo contratual, que a nova data prevista foi agosto de 2011, ou seja, cinco meses depois do próprio vencimento do prazo contratual somado ao período de tolerância. A data a ser considerada, portanto, é agosto de 2011, mas também nela o imóvel não foi entregue. O atraso além esta data não são justificáveis, nem pelos problemas relacionados à pendência do recurso de apelação tirada conta a sentença proferida em ação civil pública que revogou o alvará concedido pela Municipalidade para a construção do empreendimento. Isto porque entraves judiciais relativos a empreendimentos que pôs a venda estão inseridos no espectro do risco inerente à atividade da ré, que deve suportar suas consequências e não pretender repassá-las aos consumidores. A propósito de questão idêntica relacionada ao mesmo empreendimento o Poder Judiciário já se manifestou pela pena do eminente juiz Sidney da Silva Braga, que assim pontificou: “Além da paralisação de três meses não ser proporcional ao atraso de cerca de um ano, o fato é que, independentemente do mérito da questão na ação própria, a paralisação das obras por ordem judicial em razão de discussão acerca da legalidade ou não de alteração, pela ré, do projeto construtivo inicialmente aprovado pelo Município, com expressivo aumento na área total construída, era um risco que agora não pode ser considerado inesperado nem inevitável e no qual a ré incidiu de forma consciente, no exercício de sua atividade empresarial, pela qual responde integralmente, estando descaracterizada a força maior.” (18ª Vara Cível, processo nº 2011.200265-5). Fortuito ou força maior que porventura poderiam ser considerados em benefício da ré seriam terremotos, cataclismas, ataques terroristas, paralisação completa de todos os pedreiros do Brasil, fatores tão improváveis que pudessem escapar da previsão inicial de entrega das obras, generosa previsão, diga-se de passagem, somada ao período de carência de 180 dias, e neste caso especificamente ao prazo esticado pelo aditamento firmado, mas nada disso ocorreu ou foi comprovado. Nada, portanto, conduz à irresponsabilidade da ré, que deve responder pelo atraso na entrega da obra, incontroverso atraso. Inequivocamente experimentaram os autores danos materiais. Em que pese tratar o parágrafo único do art. 944 do Código Civil de gradação de culpa, o que não é o caso em apreço, dito dispositivo legal consagra a possibilidade de valer-se o juiz da equidade para fixar as indenizações, não havendo óbice à sua aplicação analógica no caso específico destes autos. Tivessem os autores a disponibilidade do imóvel no prazo contratual, poderiam dele dispor como melhor lhes aprouvesse, alugando-o, deixando de pagar aluguel, e assim por diante. Justo, então, que a indenização pelo atraso na entrega da obra, à míngua de critério adequado indicado no contrato de adesão, seja correspondente ao valor do locativo do imóvel não entregue por mês de atraso, com juros de mora de 1% ao mês desde o suposto vencimento do aluguel, e correção monetária pela Tabela Prática do TJ a partir da mesma data, o que será fixado em sede de liquidação de sentença. É inequívoco, pois, que a ré deveria ter entregado o empreendimento pronto aos autores em 01 de agosto de 2011, devidos os locativos, pois, a partir desta data, até a efetiva entrega das chaves. Doutra parte, a prática espúria conjunta de construtoras, corretoras, administradoras, imobiliárias e empresas de suposta mediação e assessoria técnica de “empurrar goela abaixo” do consumidor serviços vinculados ao contrato de compra e venda de imóvel não é nova, e vem sendo há muito condenada na jurisprudência, como ilustra o seguinte aresto: “Cobrança de serviços de assessoria técnico-imobiliária (SATI) – Ausência de informação clara e precisa sobe o serviço prestado – Cobrança indevida, conforme o art. 31 do CDC. Restituição do valor e em dobro, conforme o art. 42, parágrafo único, do CDC.” (Ap. 367.321-47-00, 7ª Câm. Dir. Privado, Rel. Des. Elcio Trujillo, J. 11/11/2009). Os autores jamais procurou qualquer corretora, nem tampouco há comprovação de que lhe tenha sido disponibilizado qualquer serviço de assessoria técnico imobiliária (SATI), mas sim a ré. Fecharam o negócio e, entre o calhamaço de documentos que lhes foram apresentados estavam os documentos que dão ar de regularidade formal à contratação dos serviços de corretagem e assessoria técnico-imobiliária, sobre os quais, na prática, não receberam qualquer explicação, orientação, alerta, nada. A restituição dos valores pagos a este título, portanto, se impõe, mas de forma simples, não em dobro como equivocadamente pleiteado. É que ao acolher a Reclamação nº 4.892/PR, relatada pelo Ministro Raul Araújo, restou decidido pelo C. Superior Tribunal de Justiça que "... a repetição em dobro do indébito, prevista no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, não prescinde da demonstração da má-fé do credor." (J. 27/04/2011) No caso dos autos, a má-fé não foi demonstrada, nem se presume, devendo ser simples a restituição. Também entendo caracterizados os danos morais alardeados. É que a aquisição de um imóvel gera expectativas, pauta os planos do presente e motiva a realização de planos futuros, planejamento familiar, etc. Não se trata de relação contratual qualquer, frustrada por circunstâncias irrelevantes e que produz mero descontentamento. Pelo contrário, ante a natureza da avença, do objeto do contrato, ante a irrazoabilidade do atraso perpetrado, inequivocamente sofreram os autores abalo psíquico considerável e, assim, passível de ser indenizado. Assim, levando-se em consideração as circunstâncias do caso concreto, com as repercussões pessoais e sociais, os inconvenientes naturais suportados pelos autores, a frustração de justa expectativa, o grau de culpa da requerida e o seu porte financeiro, bem como o valor do imóvel, fica fixado o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), valor único, não para cada um dos autores. E para que não paire qualquer dúvida, oportuno assentar que perfilhamos o entendimento externado na Súmula 326, do Colendo STJ, no sentido de que "na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca". Por fim, como observado no v. acórdão do AI que reformou a decisão concessiva da tutela antecipada a correção monetária é devida, pois mera recomposição de perdas. As prestações pendentes deverão ser pagas conforme pactuado, salvo se condicionadas à entrega das chaves (como parcela das chaves), caso em que levarão em conta a efetiva entrega do imóvel. Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos para condenar a ré a pagar aos autores, a título de danos materiais, o valor correspondente a um mês de aluguel referente ao imóvel objeto de discussão nos autos, a partir de agosto de 2011 até a data da efetiva entrega das chaves, cuja apuração dar-se-á em fase de liquidação de sentença, por pertinente perícia, devendo o valor dos locativos ser corrigido pela Tabela Prática do TJ e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a partir do mês seguinte (ad exemplum, o locativo de janeiro terá sua primeira correção em fevereiro, e assim por diante). Por fim, condeno a ré a pagar aos autores indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (única), corrigidos monetariamente pela Tabela do Tribunal de Justiça a partir desta data (pois nela o valor foi tido como adequado), acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação, bem como a restituir os valores pagos a título de comissão de corretagem e SATI, de forma simples, corrigidos e acrescidos de juros pelo mesmo critério supra, mas a partir dos respectivos desembolsos. Arcará a ré com as custas e despesas processuais, fixada a verba honorária em 10% sobre o valor total da condenação. P.R.I.C. São Paulo, 15 de agosto de 2012. DANILO MANSANO BARIONI Juiz de Direito

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Adquirente deve pagar aluguel por ocupação de imóvel mesmo que o contrato seja rescindido

COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESCISÃO CONTRATUAL. CULPA DA CONSTRUTORA. PAGAMENTO DE ALUGUÉIS. RECIPROCIDADE DE CLÁUSULAS ENTRE FORNECEDOR E CONSUMIDOR.
A Turma firmou o entendimento de que, no caso de rescisão de contrato de compra e venda de imóvel ainda que motivada por culpa da construtora – que o entregara fora do prazo e com defeitos –, é devido pelo adquirente (consumidor) o pagamento de aluguéis referente ao período em que ocupou o bem. Segundo afirmou o Min. Relator, a retribuição pelo uso do imóvel está amparada em imperativo legal que veda o enriquecimento sem causa. Embora o descumprimento contratual da construtora acarrete a ela penalidades e perdas e danos a serem compensados, o comprador não está isento de ressarcir os benefícios auferidos durante o período em que usufruiu do imóvel. Decidiu-se, em seguida, ser extensível à construtora a multa moratória prevista – exclusivamente – em desfavor do adquirente no instrumento contratual avençado. Em observância aos princípios gerais do direito, ou pela principiologia adotada no CDC, ou por imperativo de equidade, sustentou-se que deve haver reciprocidade entre as penalidades impostas tanto ao consumidor quanto ao fornecedor. Assim, prevendo o contrato a incidência de multa moratória para o caso de descumprimento contratual por parte do consumidor, a mesma multa deverá incidir em desfavor do fornecedor, caso seja deste a mora ou o inadimplemento. Por fim, consignou-se que não cabe à construtora, vencida na demanda, ressarcir o adquirente dos gastos com o laudo de vistoria confeccionado extrajudicialmente, pois não se trata de despesa “endoprocessual”, ou em razão do processo, afastada, assim, a regra da sucumbência, consoante interpretação sistemática dos arts. 20, § 2º, e 19 do CPC. REsp 955.134-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/8/2012.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Responsabilidade dos bancos diante da súmula 479 do STJ


A Segunda Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça publicou recente súmula (479) com os seguintes dizeres: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”.

O acontecimento repercutiu fora do universo judiciário, tanto que jornais divulgaram a ocorrência, lembrando O Estado de São Paulo que “Banco também deve responder por fraude”, enquanto a Folha de São Paulo (B4 – Mercado, 30.6.2012) destacou: “STJ diz que responsabilidade de instituições financeiras é gerir contas com segurança”.
O interesse da mídia é típico de assunto que desperta atenção de milhares de pessoas e a própria necessidade de sumular o entendimento incontroverso confirma que a matéria se repete demasiadamente. O enunciado facilita o julgamento dos casos pendentes e evita a discussão inócua sobre o dever que os bancos assumem, independentemente de prova da culpa, de repor os danos que consumidores amargam pela insegurança das atividades bancárias. Ao sentenciar ação similar, o juiz aplica a posição do STJ como razão de decidir e apressa a reparação do prejuízo, homenageando, com esse dinamismo, o ideal de efetividade e de rapidez dos veredictos, tal como determinam os artigos 5º, XXXV e LXXVIII, da Constituição Federal.
Quando se diz responsabilidade objetiva, o recado é direto quanto a não ser possível discutir culpa para satisfazer o lesado. As vítimas de danos injustos reivindicam os seus direitos e, por vezes, não são indenizadas, apesar de seus excelentes fundamentos, e isso acontece porque não se faz prova da culpa do réu, como exigido pelo artigo 333, I, do CPC, nas demandas típicas da responsabilidade subjetiva prevista no art. 186 do CC. Algumas situações, contudo, recebem tratamento diferente e isso se deve a uma revolucionária evolução dos sentidos nessa área do direito, a partir do reconhecimento da desnecessidade de a vítima provar a culpa para obter a reparação do dano em situações em que o exercitar um fato ou o realizar um serviço provocam riscos para os sujeitos que se relacionam aos seus expedientes.
Os bancos foram inseridos no círculo da responsabilidade objetiva e diversas razões conspiram para aceitabilidade do entendimento. Primeiro, o disposto no art. 14 da lei 8.078/90 (CDC) que dispensa a prova da culpa para proteger o consumidor vítima das operações bancárias e, depois, pela própria gestão administrativa das agências, pois mirando atender bem para conquistar ou manter a clientela, finaliza providências planejadas com esse desiderato sem executá-las com o cuidado exigido para a segurança dos envolvidos, direta ou indiretamente. A abertura de conta-corrente com documentos falsos é um exemplo didático do que se escreve aqui e, embora os estelionatários tenham atingido uma performance quase perfeita na apresentação dos documentos exigidos, a conta é aberta com entrega de diversos talonários para aquele que, sem provisão de fundos, sai do banco inundando o comércio de cheques frios emitidos em nome de um terceiro inocente (o titular dos documentos utilizados). Com a devolução das cártulas sem a compensação, duas vertentes nocivas acontecem.
Aqueles que receberam os cheques pela rotina do comércio, como supermercados, donos de lojas etc., assim agiram na expectativa de que fundos existiam para satisfação da obrigação e, frustrados com o carimbo da devolução, poderão exigir dos bancos que liberaram documentos de crédito para estelionatários, a reparação adequada. Afinal, está evidente o nexo de causalidade do dano sofrido e a atividade do banco (art. 403 do CC). Por outro lado, o sujeito que figura como emitente tem, com esse bate e volta dos cheques adulterados, o nome inscrito nos órgãos que cadastram devedores com pendências (inadimplentes e outros) e sofre o que se chama de abalo de crédito, fenômeno social de importância ímpar no mundo dependente de credibilidade e de um cadastro limpo. Essa pessoa que não contribuiu em nada para que se abrisse conta-corrente falsa e se facilitasse o acesso aos talões de cheques, sofre perturbações concretas com essa situação, pois o crédito lhe é abruptamente cortado, inclusive sua conta bancária, o que permanecerá enquanto não solucionar a pendência no SERASA e outros órgãos do gênero. Aos que receberam títulos falsos cabe reparação de dano patrimonial e ao que fica com o nome sujo por tal episódio, deve o banco compensação pelo dano moral (art. 5º, V e X, da CF), sem prejuízo de reparar prejuízos materiais, caso existam.
Quando se obriga o banco pagar essa conta, restaura-se o império da ordem jurídica, impondo a quem causa prejuízo por sua atividade profissional, o dever de restituir e compensar as agruras suportadas. Errado e extremamente injusto seria liberar o banco das consequências nocivas da abertura de conta-corrente com documentos falsos, sendo necessário advertir que esse resultado anormal poderia ocorrer caso obrigasse a vítima a provar a culpa do preposto do banco que abriu a conta-corrente e entregou cheques para um falsário. Daí a grande virtude da súmula 479.
Todavia, não é permitido generalizar e crer que a súmula resolverá todos os problemas que surgem com os bancos e cumpre advertir que o enunciado sumulado foi redigido para situações específicas, competindo ao intérprete conferir os pressupostos de sua incidência para evitar erros. A chave para adequar o enunciado ao caso concreto está na expressão “fortuito interno”, uma modalidade do caso fortuito previsto no art. 393 do CC. O devedor não responde quando o dano é provocado pela própria vítima ou quando não poderia prever e evitar uma ocorrência avassaladora, como um terremoto, rotulado de fortuito externo (fora da empresa). Responderá, contudo, quando o caso, que poderia ser caracterizado como fortuito, decorre da própria empresa ou ao modo com que realiza a atividade que desenvolve para obtenção de lucro. O delito ou a fraude cometida por um terceiro que usa documentos falsificados ou que se apresenta com perfil falso não isenta o banco de pagar o prejuízo porque isso é considerado fortuito interno, isto é, não está incluído o requisito da externidade (estranha à atividade).
Quando o sujeito descobre que seu cartão bancário foi clonado, ou que alguém com técnica criminosa conseguiu copiar os dados e obter a senha, criando um chip que engana o banco, o correntista não poderá sofrer o desfalque da liberação dos créditos e que surgem no extrato de sua fatura. O cliente não utilizou o cartão para compras ou pagamentos, tendo sido vítima de um criminoso que, com sua habilidade, fraudou o sistema de segurança bancário e deu golpes. O banco responderá, na forma da súmula 479, por ser esse típico caso de fortuito interno, ou seja, decorrente da própria atividade e que cabia ao banco evitar. Da mesma forma, aqueles pobres trabalhadores aposentados que são vítimas do golpe do consignado, ou seja, de empréstimos liberados com facilidades devido ao fornecimento do número da conta bancária pela qual recebem os proventos e que são desviados por estelionatários que se beneficiam com os créditos liberados em suas próprias contas, um descuido inexplicável. Os aposentados sofrem os descontos mensais quando nada contrataram e, evidentemente, cuida-se de um fortuito interno.
Os bancos enviam cartões e talonários de cheques e não raro há interceptação criminosa nesse iter, o que permite a ocorrência de golpes que prejudicam os titulares das contas. Trata-se de fortuito interno e cabe ao banco reparar os danos decorrentes da atividade insegura. Não haverá responsabilidade do banco por sequestro relâmpago, porque aí ocorre a externidade que qualifica essa conduta criminosa como imprevisível e inevitável (fortuito externo). O cliente dominado e amedrontado fornece o cartão e dá a senha para o saque, coisa que o banco não poderia evitar. Diferente seria, no entanto, se o sequestro acontecesse dentro da própria agência, porque aí ocorreu falha do dever de vigilância que é inerente ao serviço. Os bancos respondem pela atividade prestada com defeito ou que se realize com pontos vulneráveis para o patrimônio do consumidor, sendo exigido do sujeito que se serve de tais serviços deveres de cuidado com a própria segurança e com a posse dos cartões, talonários e senhas para operações eletrônicas.
Não há consenso sobre como situar, nesse contexto, o crime de roubo praticado, na rua, por criminosos que, sabedores do saque efetuado, perseguem o cliente e o abordam para subtrair o dinheiro que acabara de sacar na agência bancária, um golpe batizado de “saidinha”. Há quem sustente, com boas razões, ter o banco obrigação de proteger o cliente e evitar que criminosos tenham acesso aos movimentos internos, enquanto alguns advogam que o que ocorre na rua escapa da esfera de atuação bancária, sendo caso de polícia ou de responsabilidade do Poder Público. A perfeita solução depende de prova difícil de ser obtida em processos judiciais, isto é, provar que o banco facilitou a empreitada criminosa, negligenciando cuidados básicos como o de impedir que terceiros possam testemunhar as operações dos clientes. Equipar as agências com biombos que isolem o atendimento e proibir a utilização de celulares no interior das agências, como definido por leis municipais que não são inconstitucionais, são providências simples que dificultam a comunicação entre criminosos que estão espreitando as vítimas desavisadas. O instalar câmeras que monitorem a circulação e os gestos de pessoas na saída e no entorno foi eleito como de boa prudência e, evidentemente, em se confirmando que em determinados locais despidos de tais aparatos os roubos se sucedem com larga frequência, o episódio deixa de ser imprevisível e perde a condição de fortuito externo e abre campo para a incidência da súmula 479.
Assaltos que são perpetrados no interior das agências, nos estacionamentos dos bancos ou no hall de entrada em que estão situados os caixas eletrônicos são fortuitos internos e decorrem das atividades exercidas, de modo que é perfeitamente ajustada a incidência da súmula 479 do STJ, para garantir indenização aos prejudicados por tais violências que não foram contidas apesar da segurança institucionalizadas pela lei 7.102/83. O mesmo acontece com o esvaziamento ilícito dos cofres de aluguel, sendo que hipótese emblemática diz respeito a saques que são debitados na conta do consumidor que nega tê-lo realizado e auferido os valores, o que causa uma perplexidade devido a não ser descartada eventual má-fé do cliente. Contudo e porque há verossimilhança na ocorrência de fraudes praticadas por terceiros ou até prepostos inescrupulosos do banco, é de se entender tal hipótese como fortuito interno, competindo ao banco provar que o cliente foi favorecido pelas operações debitadas, sem prejuízo da inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, da lei 8.078/90).
A súmula 479 do STJ veio em boa hora e para acabar com a tentação do pensamento segundo o qual ainda é mais seguro guardar dinheiro debaixo do colchão.
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* Ênio Santarelli Zuliani é desembargador do TJ/SP e professor de Direito Civil